Daniel Damito esclarece: o que você precisa saber sobre IPv6

O Daniel Damito é mais conhecido pelo sobrenome - Damito. Ele é diretor e fundador da Sage Networks, empresa especializada em consultoria de redes. Graduado e pós-graduado na área de redes de computadores, também é especialista em roteamento e segurança, com vasta experiência no ramo de provimento de acesso à Internet. Damito encabeçou, pela Sage Networks, diversos projetos e eventos voltados para a comunidade técnica, como o V6 Party - Primeira festa brasileira em celebração ao IPv6. Ele prontamente nos atendeu quando solicitado para falar sobre IPv6 de uma forma acessível e descomplicada. Acompanhe a entrevista:

O que exatamente é o IPv6? Por que ele foi criado?


Antes de explicar o que é o IPv6, é bom lembrar o que é o protocolo IP. O IP é um sistema de numeração e um conjunto de regras para que dispositivos se conectem a redes de computadores e à Internet propriamente dita. Cada dispositivo, por via de regra, deve possuir um endereço único na Internet, semelhante a um número de CPF. Entretanto, a primeira versão do IP, o IPv4, passou a ser insuficiente e por isso criaram uma nova versão, o IPv6. Essa nova versão foi criada para sanar o problema da falta de endereços IPv4 e para trazer diversas melhorias de performance em relação ao IPv6.


Quais são as principais diferenças entre o IPv6 e o IPv4? Quais serão os impactos causados nessa mudança de tecnologias?

O IPv6 foi criado há mais de 10 anos e, desde então, vem sendo aprimorado. No ponto em que estamos, não existem vantagens do IPv4 sobre o IPv6. O IPv6 continua provendo todos os recursos necessários que eram providos pelo IPv4, mas com diversas melhorias e novas implementações. Podemos elencar aqui como principal diferença o número de endereços IP disponíveis. Enquanto o IPv4 conta com pouco mais do que 4 bilhões de endereços, o IPv6 conta com 340 undecilhões, um número até difícil de se escrever com todas as casas decimais: 340.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000. Para exemplificar essa diferença na quantidade de endereços disponíveis, podemos comparar essas quantidades com o número de pessoas na Terra. Enquanto temos menos do que um IPv4 por pessoa no mundo, em IPv6 temos 56 Octilhões de endereços para cada pessoa, ou o equivalente a 2.2*10^20 endereços por centímetro quadrado do planeta. Se parássemos por aqui já teríamos motivos suficientes para acreditar que o IPv6 é inegavelmente melhor que o IPv4, mas existem muitos outros motivos que tornam o IPv6 mais viável, como o suporte nativo a Jumbo Frame, tamanho de cabeçalhos fixo, autodescoberta de MTU e o suporte à autoconfiguração de endereços em dispositivos finais. Apesar de já sentirmos uma grande melhoria na qualidade da navegação na Internet em provedores que utilizam IPv6, só poderemos vislumbrar todas os impactos desta mudança daqui a alguns anos. Isso traz novas perspectivas para a nossa sociedade em quase todas as áreas, sobretudo na ciência como um todo. A biomedicina, a indústria automobilística e aviação, principalmente, terão novas oportunidades para explorar, podendo avançar centenas de anos no desenvolvimento tecnológico.

Já existe um esgotamento dos endereços IPv4? Quais problemas já vem sendo enfrentados pelas corporações brasileiras, por exemplo, devido a essa "superlotação"?

Sim, esse esgotamento já existe desde a última década, mas os problemas vêm se acentuando cada vez mais. Com o advento da Internet das Coisas (IoT), o número de dispositivos conectados à Internet está aumentando exponencialmente. Isso faz com que necessitemos de equipamentos mais robustos para processar e traduzir todos os pacotes IPv4 através do NAT. Essa necessidade de manter o IPv4 aumenta os gastos das corporações com hardware e mão de obra especializada. Além disso, a experiência final de navegação dos usuários é degradada. Algumas pesquisas já mostram que a velocidade do IPv6 é superior a do IPv4, quando implementados em cenários iguais.

Em sua opinião de especialista, quanto tempo ainda levará para passarmos a usar o IPv6 integralmente? O que é preciso fazer para que isso aconteça?

É difícil dizer quanto tempo demoraremos para utilizar o IPv6 integralmente. O que continuará acontecendo é um aumento gradativo do uso do IPv6 até o ponto em que o IPv4 se torne obsoleto, semelhante ao que aconteceu com as TVs em preto e branco. Não cremos que isso acontecerá em menos do que 5 anos, mas trabalhamos duro diariamente para conscientizar toda a comunidade, desde usuários de Internet até provedores de conteúdos e fabricantes de equipamentos sobre a importância do protocolo. Para que isso aconteça "mais rápido" é necessário um esforço coletivo de todos, mas, principalmente, dos usuários finais, sejam pessoas físicas ou empresas, em cobrar de seus fornecedores que entreguem serviços compatíveis com IPv6. Por não ser um protocolo mais tão novo e já ser o protocolo "oficial" da Internet, nenhum equipamento que suporte apenas IPv4 deve ser adquirido. Além desse equipamento ter performance degradada e recursos limitados com o IPv4, ele também se tornará obsoleto em pouco tempo e trará a necessidade de reinvestir em um novo, com suporte a IPv6, em breve.

Podemos classificar o NAT/CGNAT como uma boa tecnologia de transição?

Na verdade, o NAT e o CGNAT não são técnicas de transição. Eles são apenas medidas paliativas para contornar a falta de endereços IPv4. Até que tenhamos a Internet integralmente em IPv6, eles são meios necessários, mas não desejáveis, pois aumentam os custos e diminuem a qualidade do acesso.

Como os provedores devem se preparar? Existe um prazo para que as empresas brasileiras, no geral, se adaptem à nova realidade?

Os provedores devem adquirir apenas equipamentos que possuam suporte a IPv6 e substituir os antigos que só suportam IPv4. A maioria dos equipamentos do mercado já possuem suporte a IPv6. Dos que não possuem nativamente, muitos possuem atualizações ou firmwares alternativos que conseguem suprir essa necessidade. Após isso, basta configurar suas redes para trabalharem com o IPv4 e o IPv6 simultaneamente. Essa tarefa não costuma ser difícil, pois existe bastante material digital sobre o assunto, além de cursos gratuitos, onlines e itinerantes, do NIC.BR, sobre IPv6.

Acredita no IPv6 como facilitador da inclusão digital? Qual sua visão para o futuro das conexões?

Sim, com certeza o IPv6 facilita a inclusão digital. Com a falta de endereços no IPv4, ficamos limitados ao que temos hoje, tendo poucas oportunidades de crescimento do mercado de Internet. Isso dificulta o desenvolvimento de novas aplicações e impede que novas organizações possam surgir devido à falta de endereços. A conexão com a Internet é crucial para diversos setores, como a economia e a biomedicina. Então, além de termos uma Internet maior e mais rápida, daremos a esses setores e a toda a população a oportunidade de crescer e desenvolver tecnologias que nos permitirão viver melhor e mais fácil, derrubando barreiras e expandindo nossos horizontes.

Que instruções você deixaria para as empresas que precisam se adequar ao IPv6? Existe ajuda especializada?

Seja provedor de Internet ou empresa de outro segmento, as instruções são semelhantes: não aceitem qualquer produto, seja serviço na nuvem, software ou hardware, que não suporte IPv6. Isso vai desde o seu sistema financeiro até os dispositivos finais, como celulares e computadores. Na hora de adquirir um link de Internet também é importante se certificar, antes e depois da aquisição, se eles utilizam IPv6. Através do site http://ipv6.br/ você pode testar se seu computador ou celular já está utilizando IPv6. Sim, existem algumas empresas especializadas em IPv6, como a Sage Networks. Inclusive organizamos, com ajuda da Sinal Br Telecom, a primeira festa brasileira em celebração ao IPv6, evento com o objetivo de comemorar nossos avanços na adoção do IPv6 no Brasil.

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